Move Abilities

Você já ouviu falar sobre pontos gatilhos?

Entenda o que são e como influenciam no seu movimento.

Você provavelmente já sentiu a musculatura do pescoço e ombro incomodando, talvez tenha tentando massagear e percebeu que estava tenso, talvez até até sentiu pequenos “nós” na musculatura que costumam soltar. Esses nós são chamados de pontos gatilhos e podem induzir a dor com ou sem palpação. Quem já experienciou esse tipo de dor costuma reconhecer quando ela está retornando ou quando é estimulada. 

 

Os pontos gatilhos são regiões localizadas de alta irritabilidade na forma de um nódulo em um músculo estriado esquelético que é sensível à palpação. Normalmente estão localizados em uma banda tensa do músculo e demonstram maior rigidez quando comparado ao músculo normal. 

Esses pontos gatilhos podem estar presente sem uma explicação clara e sem lesão de tecido, enviando uma informação sensorial de dor para o cérebro que pode evoluir para um quadro de dor miofascial. A dor miofascial está presente no espectro de dor crônica.

Os pontos gatilhos podem ser ativos ou inativos. Os pontos ativos podem ser definidos como: ponto gatilho miofascial que induz uma queixa de dor, impede que o músculo possa mover em todo seu comprimento e diminui a força muscular, gerando uma dor localizada que, quando pressionado, pode gerar uma resposta motora e autonômica. Os pontos inativos podem ser definidos como um ponto gatilho miofascial similar ao ponto ativo, porém só reflete dor quando palpado. É importante dizer que há um excesso de tensão no músculo como uma banda tensa que limita o movimento e a capacidade de força que esse músculo consegue produzir.

Na prática isso significa que seu músculo (ou músculos) não está funcionando muito bem e, com isso, podem levar ao estabelecimento de um quadro de dor crônica ou aumentar as chances de ter lesões durante um exercício. 

E como são formados?

diferentes hipóteses para explicar esse mecanismo, desde que começou a ser descrito na década de 1980. Atualmente a hipótese mais aceita integra diferentes hipóteses, uma vez que uma única não era capaz de explicar o fenômeno. Estudos com ultrassonografia, ressonância magnética funcional e outras técnicas permitiram compreender um pouco melhor o mecanismo in vivo , sem precisar tirar um pedaço do músculo da pessoa e estudar em laboratório ou em estudos com animais (ainda que seja necessário esse tipo de estudo para compreender melhor os mecanismos). Há muitas limitações para esse tipo de pesquisa experimental e sua co-relação clínica, mas de maneira resumida:

 

– Alterações nas junções neuromuscular: Há um aumento de liberação de acetilcolina (ACh neutrotransmissor que induz a contração no músculo) na junção neuromuscular (local no qual o neurônio motor se liga à fibra muscular), menor remoção da fenda sináptica, aumento dos receptores para acetilcolina *. Isso significa que essas alterações podem fazer com que o sinal para contrair permaneça chegando ao músculo. 

 

– O cálcio (Ca2+) não é re-direcionado para dentro do retículo sarcoplasmático, mantendo-se conectado às proteínas troponina e deixando os filamentos de actina e miosina ligados entre si. Nesse caso as mioproteínas, actina e miosina que fazem com que o músculo diminua de tamanho, permanecem conectadas mantendo a contração muscular.

– A manutenção da contração muscular diminui o diâmetro dos vasos que passam próximo e entre os músculos. Essa diminuição de diâmetro faz com que menos sangue passe pela região e, consequentemente, menos nutrientes. A compressão isquêmica diminui a oferta de energia dentro das células, fazendo com que o relaxamento não possa acontecer **. A diminuição de energia também parece aumentar a quantidade de ACh sendo espontaneamente liberada na fenda sináptica, o que aumenta o potencial motor evocado da placa terminal (basicamente pequenos estímulos para contrações musculares).

 

 

– Alterações do fuso muscular (estrutura dentro do músculo responsável por avisar ao cérebro mudanças de comprimento no músculo) induzem à transmissão de informações sensoriais desnecessárias e geram uma resposta motora que aumenta a contração de um músculo*** .

Esses são os mecanismos que explicam o que ocorre dentro do músculo a um nível mais histológico. Caso tenha ficado com alguma dúvida sobre esses termos você pode assistir esse vídeo.

Trazendo para uma realidade clínica encontramos duas situações nas quais há maior prevalência da formação desses pontos gatilhos:

Excesso de ativação muscular em atividades de baixa intensidade, fazendo uma manutenção de contração isométrica prolongada (a contração isométrica ocorre quando o músculo contrai mas não altera seu tamanho). Sabe aquela postura que você mantém por horas fazendo algum tipo de força? Normalmente quando há algum tipo de trabalho de precisão que precisa ser feito por um período de tempo ocorre uma maior ativação do fuso muscular que pode levar a uma contratura das fibras extrafusais, apresentando-se como uma banda palpável de tensão. Isso leva à sensação de fadiga, diminuição de força e amplitude muscular e, possivelmente, diminuição dos vasos sanguíneos próximos do músculo aumentando a crise energética local e alastrando ainda mais essa contratura. Essa hipótese foi conhecida como “Hipótese de cinderela” já que ativa as fibras do tipo I, relacionadas mais à músculos posturais, capazes de contrair durante longos períodos, por serem as primeiras a serem recrutadas e as últimas a serem “des-recrutadas” (  a primeira que acorda e a última que vai dormir, por assim dizer). Essas fibras são mais susceptíveis à danos musculares e desregulação de cálcio, fatores que propiciam a formação de pontos miofascials dolorosos.

– Quando há contração excêntrica intensa e dor muscular tardia (contração excêntrica é quando o músculo contrai, afastando suas inserções, como quando você se empurra do chão ao fazer uma flexão de braço, os músculos anteriores do braço fazem uma contração excêntrica). A contração excêntrica aumenta a resposta inflamatória do músculo que é importante para hipertrofia, porém se repetitiva pode alterar as proteínas intramusculares e pré-dispor à formação de trigger points.

É possível tratar os pontos gatilhos?

A resposta é sim! Originalmente os pontos gatilhos foram tratados com injeções locais com salina e anestésico. Atualmente outras possibilidades terapêuticas como dry needling, alongamento, liberação miofascial, eletroestimulação transcutânea, massagem, terapia manual, correção de treino, ajustes de posições de trabalho são opções possível. Podemos fazer um explicando melhor sobre as alternativas terapêuticas e como funcionam, se quiser mande uma mensagem para nós!

 

A escolha da modalidade terapêutica, entretanto, deve levar em consideração os aspectos fisiopatológicos que podem estar induzindo a formação desses pontos. Normalmente com característica multifatorial, ou seja, mais de um elemento pode estar facilitando a formação dos pontos gatilhos e devem ser identificados e tratados em conjunto.

 

 

* O neurônio motor traz a informação de contração até o músculo, que nada mais é que um potencial de ação (uma corrente elétrica). Esse neurônio se ramifica até chegar à fibra muscular (célula muscular) e forma a junção neuromuscular. O potencial de ação estimula a liberação do neurotransmissor acetilcolina que está armazenado na porção terminal do neurônio motor, chamada de botão sináptico. A acetilcolina é liberada em um espaço entre o neurônio motor e a fibra muscular denominado de fenda sináptica e, ao interagir com os receptores localizado na fibra muscular, estimula com que um potencial de ação seja iniciado pela fibra muscular.

** O potencial de ação na fibra muscular estimula a liberação de cálcio no citosol, que está guardado dentro de uma estrutura denominada retículo sarcoplasmático. O cálcio interage com uma proteína, a troponina, para liberar os sítios de ligação dos filamentos de miosina e actina. Sem o cálcio esses sítios ficam “escondidos” e não ocorre o encurtamento das proteínas, diminuindo o tamanho do sarcômeros e, consequentemente, não há contração muscular

*** Apesar de não parecer, o relaxamento muscular é algo que gasta energia. A molécula de energia no nosso corpo se chama ATP e é utilizada para “desconectar” os filamentos de actina e miosina. A concentração de ATP para relaxar é menor do que a concentração para induzir a contração, mas ainda assim sem ATP o músculo irá permanecer contraído.

O fuso muscular é um receptor mecânico localizado dentro do músculo responsável por enviar sinais ao cérebro de quando há alterações do comprimento muscular. Ele é essencial para a propriocepção. As fibras aferentes Ia ativam neurôniops motoras alpha, aumentando a tensão muscular. As fibras aferentes II quase não ativam os neurônios motores alpha, mas ativam principalmente os neurônios motores gama que afetam a sensibilidade do fuso muscular. No fuso muscular há ainda outras fibras somáticas aferentes como a III, aferência pouco mielinizada que é sensível à pressão e IV, aferência não mielinizada com alto limiar e sensível também à substâncias que induzem a dor nociceptiva. As fibras III e IV são estruturadas em nervos Adelta e C, que transportam principalmente informação nociceptiva (dor com lesão). 

A contração muscular sustentada e a fadiga diminuem gradualmente a unidade motora, diminuindo a capacidade de produção de força e aumentam a exitação das fibras tipo III e IV. Esse aumento da excitação (na prática isso significa que um estímulo menor é capaz de ativar essas vias, enquanto anteriormente era necessário um grande estímulo) ativa o sistema motor gama (por um sistema de convergências e divergências motoras) também em músculos próximos, possivelmente fazendo com que a sensibilidade dolorosa possa ser sentida em uma região grande e não apenas tão localizada. Caso a sobrecarga do músculo permaneça por um tempo, é possível que haja um processo de inflamação neurogênica e sensibilização dos receptores III e IV, fazendo com que estímulos que normalmente não desencadeariam uma respostas passem a desencadear.

As fibras III e IV são a maior quantidade de fibras que saem dos músculos (pouco mielinizadas e não mielinizadas)

Referências:


KALICHMAN, L.; BEN DAVID, C. Effect of self-myofascial release on myofascial pain, muscle flexibility, and strength: A narrative review.
Journal of Bodywork and Movement Therapies, v. 21, n. 2, p. 446–451, 2017. 

Myofascial release as a treatment for orthopaedic conditions: a systematic review. 

PARTANEN, J. V.; OJALA, T. A.; AROKOSKI, J. P. A. Myofascial syndrome and pain: A neurophysiological approach. Pathophysiology, v. 17, n. 1, p. 19–28, 2010. Pathophysiology. 

SHAH, J. P.; THAKER, N.; HEIMUR, J.; et al. Myofascial Trigger Points Then and Now: A Historical and Scientific Perspective. PM & R : the journal of injury, function, and rehabilitation, v. 7, n. 7, p. 746–61, 2015. NIH Public Access.  

TRAVELL, J. G.; SIMONS, D. G.; SIMONS, L. S. Myofascial Pain and Dysfunction. 3o edition ed. Wolters Kluwer — Medknow Publications, 2019

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *